sexta-feira, 25 de março de 2011

O Apartamento 7

Isabella arrumou seu cabelo e olhou-se no espelho pela milésima e última vez: As pupilas dilataram-se dentro dos olhos claros, tentado enxergar os detalhes que a penumbra daquele aposento escondia. A luz das velas dava um tom quase vampírico ao seu longo cabelo negro, em contraste com sua pele muito clara.
Ela ainda não podia acreditar que estava ali. Era loucura, ela sabia, mas mesmo assim estava ansiosa para que acontecesse logo. Aquele seria o encontro mais estranho que já tivera em sua vida... e também o mais misterioso, mais emocionante, mais potencialmente perigoso...
Mas também poderia ser o melhor de todos...

O apartamento ainda estava vazio. Ela e sua mania de chegar adiantada!
Arrumou por uma última vez o decote do vestido branco e mais uma vez se sensurou por ter escolhido aquela roupa! Não era apropriada!
Devia ter escolhido algo mais sensual... aquele vestido branco, com seu tecido leve e seu corte angelical a fazia parecer uma virgem assustada. Nem de perto lembrava a mulher experiente, sexy e decidida que ela queria parecer naquela noite.
Soltou um suspiro resignado e caminhou até a varanda, para esperar. Agora não havia mesmo como voltar atrás.

Edgar sorriu satisfeito para seu reflexo no espelho. Experiente e confiante, a facilidade com que conseguia levar as mulheres mais lindas que via para a cama chegava quase a aborrecê-lo. Na maioria das vezes elas não eram nem de longe tão boas quanto em sua imaginação e os momentos de prazer passavam rapidamente para um aborrecimento profundo.
Por isso ele havia resolvido, há algum tempo atrás, experimentar novas formas de fazer amor, buscando na novidade parte da excitação que a facilidade havia lhe roubado.
Já havia feito muitas coisas nessa sua busca por ocasiões diferentes: Os mais variados tipos de encontros, com os mais variados números de participantes, com as mais variadas belezas femininas.
Não tinha muitas restrições morais, mas duas exigênciaa pessoais ele nunca transgredia: Só fazia amor com mulheres maiores de idade e que estivessem com ele por vontade própria. Recusava-se a pagar ou forçar algo que tanto gostava de conquistar por empenho próprio.
Entrou em seu carro, dirigiu-se para o local combinado, ainda com um sorriso no rosto. Há muito tempo não tinha conhecimento de uma idéia tão original e interessante quanto a do "Apartamento 7".
Essa seria uma boa noite. Ele podia pressentir isso.

Isabella torcia as mãos de nervosismo. Por duas ou três vezes pensou em pegar a bolsa e ir embora, mas a lembrança de seu apartamento vazio e de sua vida - tão vazia quanto - a fizeram ficar.
Os poucos minutos pareceram uma eternidade até que então ela ouviu o barulho da chave na fechadura e seu sangue gelou imediatamente: Ele havia chegado.

Edgar abriu a porta do apartamento 7 e demorou um pouco para acostumar seus olhos à penumbra. Como lhe tinham dito, não haviam lâmpadas no imóvel. Todo o local era iluminado unicamente por velas. Ele checou rapidamente que as outras coisas que lhe falaram sobre o apartamento também eram verdade: havia um aparelho de som (ele precisava levar de casa o cd que queria escutar), um vinho de excelente safra e uma caixa de chocolates sobre a mesa. Reparou satifeito que o último item da lista também estava lá: uma belíssima e desconhecida mulher esperando por ele.
A moça virou-se para encará-lo no momento em que abriu a porta. O vento agitava seu vestido branco e seu cabelo, fazendo com que ele tivesse a breve impressão de que ela acabara de chegar voando pela varanda.

Ela estava insegura. Ele percebeu imediatamente. O sorriso fácil e satisfeito com que suas "blind dates" costumavam recebê-lo não estava em seu rosto. Ela o examinava séria, um pouco constrangida, um pouco desconfiada. Talvez pensando em desistir de tudo e ir imediatamente pra casa.
Ele gostou disso. Edgar entrou com seu passo confiante, sem voltar a olhar para a moça na janela. Colocou o cd que havia escolhido e uma voz sensual encheu o apartamento, cantando num idioma desconhecido.

Isabella permanecia paralisada, agora ainda mais arrependida do que antes por estar ali. Olhou de relance para a bolsa e se imaginou simplesmente saindo pela porta, sem trocar uma palavra com aquele desconhecido.
Mas ao invés de fazer isso, ficou apenas observando enquanto ele, de costas para ela, abria a garrafa de vinho.
Edgar serviu as duas taças, tirou sua jaqueta e a colocou sobre o encosto da cadeira e depois caminhou para a varanda.

- Então você é a misteriosa Isabella. - Disse ele, olhando em seus olhos, mas sem sorrir e oferecendo para a moça uma das taças.
- Você sabe o meu nome? - Perguntou ela surpresa, aceitando a taça.
- Sim. - Respondeu ele, sem dar mais informações, e tomou um gole do vinho, com os olhos fixos nos dela.
- Eu não fui informada sobre o seu nome - Disse ela, um tanto confusa.
- Eu sei disso. - Respondeu Edgar outra vez.

Isabella ia dizer mais alguma coisa, mas ele a tomou pela mão, com um sorriso nos olhos. Ela o seguiu e os dois começaram a conhecer juntos os outros aposentos do apartamento.
A sala em que estavam terminava em uma cozinha americana, que tinha ao fundo uma escada para subir à cobertura.
Mas Edgar optou pelo um corredor à esquerda. Todo o apartamento era forrado por um tapete macio e espesso numa cor próxima ao laranja. O corredor que seguiam tinha duas portas: A primeira era a porta do quarto, que tinha uma imensa cama com lençóis num tom marfim e ladeada por dois exuberantes castiçais de prata. As velas que queimavam neles davam às bordas da cama um brilho dourado que transmitia uma mensagem muito clara: DESEJO.
O teto sobre a cama era de vidro e podia-se ver o céu estrelado do lado de fora. Isabella quase perdeu o fôlego quando viu a beleza do aposento, mas Edgar, sem dizer uma palavra, a conduziu pela mão para fora do quarto.
Outra porta do corredor era um banheiro: Com uma imensa banheira de hidromassagem toda em mármore. Espelhos por todos os lados, refletindo as chamas das velas e as pétalas de flores do campo espalhadas pelo chão.
Isabella achou esse aposento ainda mais bontio do que o quarto, mas outra vez, Edgar a levou de volta para o corredor. Os dois atravessaram outra vez a sala e subiram as escadas, em direção à cobertura.

- Você já veio aqui antes? - Perguntou Isabella, enquanto subiam as escadas.
- Não. - Respondeu Edgar.

Isabella continuou subindo os degraus, mas começava a ficar incomodada com o silêncio de seu parceiro. Por que ele era tão rápido em suas respostas? Por que não estava tentando puxar assunto, quebrar o gelo...
Será que ele estava decepcionado? Será que esperava uma mulher mais bonita? Mais... sexy?

Isabella sentiu uma imensa vergonha: estava fazendo papel de boba! É claro que aquele tipo de encontro não era para pessoas como ela: tímidas, inseguras, pouco experientes. Esse era o tipo de programa para pessoas resolvidas, seguras, experientes e atrevidas...
Ela nunca havia sido nada daquilo!! Não deveria estar ali e esse homem á sua frente já tinha percebido isso! Que vergonha!

A cobertura estava fresca e bem iluminada. Havia uma piscina e uma espécie de pirâmide de vidro que se levantava do chão e através da qual se podia ver o quarto, lá embaixo. Edgar a levou para perto da mureta de vidro. Ela distraiu-se por uma fração de segundos com a beleza da vista e quando olhou para ele novamente viu que ele olhava fixamente para ela, com aquele mesmo sorriso no olhar que parecia estar dizendo alguma coisa que ela não conseguia entender.

- O que está olhando? - Perguntou ela, abaixando os olhos.
- Estou tentando olhar, mas não consigo. - Disse ele, levantando o queixo dela com a mão, para que seus olhos se encontrassem de novo.
- Tentando olhar o que? - Disse Isabella, dessa vez olhando para os olhos dele.
- Olhar dentro de você. Pra ver se entendo.
- Se entende???
- Se entendo o que você está fazendo aqui.
- Eu estava agora mesmo me fazendo essa pergunta - Respondeu ela, corando da cabeça aos pés.
- E então?
- Ainda não achei a resposta. Eu... me sinto meio estúpida...
- O que você está fazendo aqui, Isabella?
- Eu não sei... acho... que tenho me sentido muito sozinha.
- Esse não parece o seu método preferido de conhecer novas pessoas...
- Eu... tenho um pouco de dificuldade em conhecer novas pessoas...
- Você é uma mulher linda. Não deve ser difícil encontrar em qualquer lugar algum homem disposto a sair com você. Porque não tentou lugares mais fáceis e ambientes mais tradicionais como bares, restaurantes, boates...?
- Porque... - Isabella pensou um pouco e respondeu, decidida - Porque não tem graça.

Edgar sorriu, parecendo satisfeito com o que tinha ouvido, e tomou mais um gole de vinho. Isabella dessa vez bebeu também e olhou em volta, imaginando que aquela piscina talvez fosse o lugar perfeito para fazer amor com aquele desconhecido.
Mas Edgar a pegou pela mão e a conduziu escada abaixo novamente.
Ela o seguiu em direção à varanda, pisando no tapete macio e felpudo a seus pés. Sob a luz das velas e os raios de lua que entravam pela varanda aberta, ele tomou a taça da mão dela e colocou sobre o parapeito. Então, com sua mão direita, tocou o rosto de Isabella. Acariciou por alguns instantes sua boca e enquanto a mão esquerda já soltava uma das alças do vestido branco. Sua mão direita desceu para o decote, soltando a outra alça e vestido deslizou suavemente pelo corpo de Isabella, caindo como uma folha de outono sobre o carpete. Isabella permaneceu parada, entregue às carícias daquele desconhecido. O constrangimento inicial havia desaparecido totalmente e agora dava lugar a uma excitação crescente, que ela jamais havia experimentado.
***

Algum ruído fez com que seus olhos se abrisse na manhã seguinte.
Ela não estava mais na varanda e havia uma pirâmide de vidro sobre sua cama, fazendo com que cores alegres dançassem pelas paredes do aposento com a entrada do sol . Ela ainda se sentia num conto de fadas. Por um momento teve vontade de recolher todas aquelas gotas de luz das paredes e levá-las na bolsa para sua casa.
Como exigiam as regras do Apartamento 7, não havia mais um braço à sua volta, porém ela estava coberta de pétalas de flores e um breve bilhete abaixo do travesseiro dizia: “Agora sou eu quem sei exatamente o vim fazer aqui.”

Ela se levantou, tomou um banho quente e, antes de sair, assinalou a opção “sim” num papel que estava sobre a mesa.

Edgar chegou em casa com a sensação de que havia vivido algo realmente especial e embora sempre conseguisse abstrair essa sensação para evitar um interesse maior pelas pessoas, dessa vez ele simplesmente não conseguia parar de pensar em Isabella. E o pior: estava decidido a encontrá-la de novo.
Ele tomou um banho e sentou-se no sofá. Não queria ficar relembrando a noite perfeita que tivera e também não queria ficar suspirando, fazendo planos futuros... queria apenas aguardar tranqüilamente o desenrolar dos acontecimentos.
Pegou o cd que havia escutado na noite passada e colocou pra tocar. Recostou a cabeça na poltrona e ficou ouvindo, de olhos fechados, até que de repente algumas notas diferentes invadiram seus ouvidos...
Ainda com os olhos fechados, ele sorriu e atendeu o telefone.

4 comentários:

João Paulo Parisio disse...

gostei do estilo, Heidi

Anônimo disse...

Bastante excitante o conto, eu diria!
Muito bom o estilo de escrita mesmo, e gostei de todo o mistério. Sem ser nenhum pouco vulgar.
Parabéns! E obrigada sempre pelas visitas! :)

raylsonbruno disse...

Gosto bastante da sua delicadeza ao escrever, me lembra algo que falta em mim (huahahuahu)... Excelente conto, parabéns.

Kelly disse...

A música tem esse dom de nos transportar pra outros lugares, ou fazer dos lugares um momento bom, um climax, como a literatura, é arte, enfim...

gostei do conto^^

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