Um dia ela olhou para uma folha de papel e sentiu que todo o seu poder havia se esgotado. Não que ela jamais tivesse acreditado muito nele, mas gostava de saber que o tinha, gostava de como as pessoas a adimiravam por causa desse poder. Essa era sua principal característica e agora, sem ele, sentia-se sem identidade, indigente, uma folha em branco mais vazia do que aquela que estava à sua frente, porém muito menos útil.
Estaria mentindo se dissesse que esta mudança chegou de repente. Há muito tempo ela vinha percebendo uma diminuição de suas forças, vinha estranhando algumas mudanças, vinha olhando no espelho e sentindo alguma dificuldade en se reconhecer.A verdade é que ela permitiu que essa mudança ocorresse. O poder que tinha lhe trazia uma agonia que não lhe deixava dormir, uma responsabilidade que mal podia suportar, uma autoridade que jamais buscara ter. Uma dor constante.
No principio, percebia com um certo alívio os sinais de mudança e sua passiva omissão funcionou melhor do que uma ação drástica teria funcionado para o sucesso deste processo de enfraquecimento. Se tivesse simplemente decidido eliminar seus poderes do dia pra noite, esta transformação repentina ainda conservaria traços de sua verdadeira personalidade por muito tempo, talvez tempo suficiente para que ela mudasse de ideia e se reecontrasse. Porém, essa alteração gradual e quase imperceptível levara tudo embora consigo. Fazia anos que ela sentira-se inteira pela última vez, e mesmo com todos os esforços não conseguia mais se lembrar como era aquela pessoa. estava perdida para sempre, além de qualquer restauração.
Restava agora se reinventar.
A pergunta principal agora era: em quê se transformaria? Não gostava dos sinais que sua nova tendência revelava. A pessoa que ela estava mais próxima de se tornar não lhe agradava em nada (ou quase nada). Por outro lado, seu ideal de transformação estava tão distante que parecia quase inatingivel. Era uma folha em branco, e em teoria poderia se "pintar" com qualquer cor, mas na prática, sua aquarela só possuia cores sombrias e seus pincéis estavam todos endurecidos.
Ela olhou para o papel e respirou profundamente: não podia se permitir arrepender pela eliminação de seus poderes. Reconhecer que havia cometido tão grande erro seria doloroso demais. Seria desesperador. Especialmente porque agora constatava que não havia caminho de volta.
O melhor a fazer era apegar-se a sensação de alívio e leveza que a ausencia das responsabilidades lhe trazia (mesmo que no fundo issa leveza lhe parecesse um pouco fútil). Era melhor considerar-se livre do que perdida, uma folha em branco do que uma folha desbotada. Era melhor escolher ser feliz e vestir-se de esperança para o que o futuro viria lhe trazer, agora que não podia mais se amparar em seu passado (que passado?).
Tornou a encarar o papel em sua frente e com um movimento brusco amassou-o e jogou numa lata de lixo. Depois, com um sorriso de alívio, tocou Juliette and the Licks no MP3 e abriu uma garrafa de Syrah.
Strange Magic (2015)
Há 9 anos
1 comentários:
finalmente recuperada!
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