quarta-feira, 23 de junho de 2010

Saudades e algo mais.

Já haviam 206 dias que ela tinha partido (ou seriam apenas 2 meses?).
Não importa! Desde que ela se fora o tempo perdera completamente a lógica. Algumas vezes ele sentia um aperto no peito que parecia durar horas, mas que na vedade não passava apenas de um breve minuto.
Outras vezes ele sonhava com ela, pensando estar apenas tirando um cochilo, e quando via, tinha dormido dias inteiros!

Com ela se fora toda a lógica, toda a simetria, toda a compreensão que ele fazia do mundo.
Não sabia mais a diferença entre silêncio e barulho, não percebia as mudanças de temperatura, não distinguia mais as cores...
Seu mundo acontecia agora apenas em seus pensamentos, ou melhor, em suas lembranças. Todas as pessoas tinham o rosto dela. O silêncio estava cheio da sua voz, o frio era intenso a qualquer hora do dia ou da noite, e as cores... meu deus!
Era como se ele enxergasse tudo através de uma lente. Não existia mais vermelho, azul, branco, preto... era tudo verde! Verde como os olhos dela.

Só uma coisa ele não se atrevia a lembrar: seu sorriso!
Pensar naqueles lábos macios e rosados se abrindo com um ruído doce, moldando a expressão mais bela que ele já tinha visto na vida... não!
Lembrar daquilo provocava uma dor mais vazia que a morte, um desespero mais sufocante que as profundezas de um mar gelado.
Essa era uma imagem que ele definitivamente precisaria esquecer.

Olhou para as paredes vazias do quarto... elas funcionavam como uma esoécie de caixa acústica, prendendo para sempre o som daquelas últimas palavras.
A mesma voz doce, embragada pelas lágrimas, reverberava de uma parede para a outra, encerrada naquela órbita infinita: "Eu tenho que ir agora. Se cuida!"

Ele estava enlouquecendo! Precisava fugir! Precisava parar de pensar!
Correu na direção da porta e tentou abrir, mas não conseguiu girar a maçaneta: sair daquele quarto significaria mudar de ambiente, seguir em frente.
Tudo o que acontecera ali dentro deixaria de ser o presente para se transformar em passado. Ele não podia suportar um presente sem ela!

Deitou no chão, encostado à porta, desorientado.
Precisava ficar ali, naquele lugar, naquele momento, até que...
Sentiu o torpor do desespero envolvê-lo e entregou-se a ele, como se à própria morte. Sua mente conturbada foi-se acalmando, como se seu cérebro estivesse mergulhado em morfina.

Ali, encolhido contra a porta, sobre o chão gelado do quarto, ele sonhou:
Estava num labirinto e de alguma forma ele sabia que ela também estava ali, em algum lugar, tão perdida quanto ele.
Começou a correr desesperado por entre as altas paredes de concreto. Queria chamá-la, mas não conseguia falar. Sentia-se exausto, confuso, sozinho...
E então ele a ouviu. Estava longe, mas ele não tinha dúvidas: era a voz dela! Chamando o seu nome!
A voz se aproximava, mas ele não conseguia resonder. Por mais que tentasse, sua garganta não emitia som algum. Era como se estivesse sufocando! Queria seguir a voz dela, queria gritar para que ela pudesse ouví-lo, mas não conseguia emitir ruído algum, além de um abafado gemido. Esse tormento continuou ainda por algum tempo, até que a voz dela cessou de ecoar.

Ela não o chamava mais! Uma tristeza profundo o envolveu, seguida por uma onda de pânico: a parede atrás dele começava a se mexer! Ele tentava escorá-la com as costas, mas ela continuava avançando, como se estivesse disposta a impressá-lo contra a outra.
Sentiu que seu corpo era empurrado para a frente à medida que a parede se movia e achou que aquele seria o seu fim.
Olhava em volta, mas não via nada em que pudesse se apoiar, nada para segurar, nenhum refúgio possível. Ele agora suava frio...

Então a parede alcançou um ângulo agudo e parou de se mover.
Ele respirou aliviado, mas o milagre maior aconteceu logo depois: ele voltou a ouvir a voz dela! Ali, bem do seu lado, chamando seu nome novamente! Ele olhava em volta, mas apesar de a voz estar agora muito próxima, ele ainda não conseguia vê-la.
Tinha certeza de que ela estava ali, podia até sentir seu perfume!

"Vamos querido, acorde!"

E então ele abriu os olhos. Estava de volta ao quarto, deitado na mesma posição em que fora dormir. A porta agora havia sido aberta e... não era possível!
Ela estava ali, bem na sua frente! Ele levantou-se depressa e a abraçou, como se ainda não acreditasse no que via: "Graças a Deus você voltou! Eu senti tanto a sua falta!"
"É claro que voltei! Você tinha alguma dúvida?"
Ele sentiu-se um pouco envergonhado: "É que demorou tanto! Passou tanto tempo... eu não queria que você tivesse ido!"
"Mas eu tinha que ir! O acidente foi sério! Graças a Deus está tudo bem agora!"
"Eu... nunca havia me sentido tã só, em toda a minha vida!"
"Que exagero! Foi só um final de semana!"

Ele se calou, surpreso com essa declaração.
Ela olhou em seus olhos, com aquele jeito divertido e então... o sorriso! Só que dessa vez não doeu...

1 comentários:

Caldas disse...

Desnecessário dizer que me identifiquei, né?

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