Eu não conseguia mais lembrar há
quanto tempo estava escalando o muro ao final daquele caminho sem saída e
muito menos porque havia decidido começar esta atividade insana em primeiro
lugar! Mas a noite já havia caído, a parede à minha frente estava mal iluminada
e eu não fazia a mínima ideia de quantos metros ainda restavam acima
de mim. Só sabia que já estava alto demais para desistir e pular de volta para
o chão.
O dia
havia começado promissor: eu acordei no longo corredor, após incontáveis dias de
jornada. A essa altura eu ainda não sabia que este caminho estaria bloqueado
por um gigantesco muro no final. Eu me sentia confiante, pois após tantos dias
de jornada eu claramente já deveria estar há poucas horas de alcançar meu
destino. Segui o estreito caminho observando as diversas pinturas nos muros que
flanqueavam os dois lados da rua. Havia momentos em que essa sensação de ter
apenas uma opção de direção a seguir me angustiava, principalmente nos trechos
em que os muros estavam sem pintura, ou apresentavam gravuras deprimentes,
sombrias e amedrontadoras. No entanto, havia muitos trechos coloridos e alegres
que reforçavam a minha esperança de que, no final daquela caminhada, eu
encontraria o paraíso que me havia motivado a começar a jornada em primeiro
lugar.
De
fato, eu caminhava tão seguro de que já estava próximo ao meu destino, que
resolvi abrir mão do racionamento de comida e água que eu vinha fazendo desde o
princípio da caminhada e me permiti o quase esquecido prazer de comer até não
ter mais fome e beber até não ter mais sede. Experimentei uma sensação tão
plena de satisfação que cheguei a ficar eufórico enquanto observava as
promessas de belas praias e infindáveis horizontes desenhadas nos muros ao meu
redor.
O sol
aquecia meus sonhos enquanto uma leve brisa acariciava minha pele quando eu vi
a curva se aproximar. Corri em sua direção, mal podendo conter meus pés com a
ansiedade de ver o que estaria depois dela. E foi então que eu o vi: o gigantesco muro
– tão alto quanto as paredes ao meu redor – que marcava o final de meu caminho.
O
choque dessa visão me atordoou de tal forma que eu caí sobre meus joelhos, e,
por alguns instantes, não fui capaz nem ao menos de formular um pensamento de
frustração. Eu apenas olhava para a projeção de minha própria sombra,
comparando-a com a gigantesca estatura do obstáculo à minha frente.
Resolvi
avaliar minhas possibilidades: por um lado, voltar todo o percurso que eu já
havia percorrido me parecia impossível! Eu já não tinha mais recursos, forças e
nem ao menos ânimo para escolher outro caminho e recomeçar do zero. Por outro
lado, meus olhos nem ao menos conseguiam vislumbrar o final da escalada que se
apresentava à minha frente e eu sabia que seria uma tarefa hercúlea ultrapassar
aquele trecho; mas o muro estava pintando com as mesmas gravuras alegres
sugerindo que além dele ainda podiam estar os mares e pomares que eu tanto
almejava.
Por isso, resolvi reunir as últimas forças que me restavam e dar o
melhor de mim para cumprir aquele que eu esperava ser o último desafio antes de
meu tão esperado descanso.
A noite
caiu e meus músculos já doíam tanto com o esforço da escalada que eu só
conseguia pensar em desistir: me deixar cair de volta ao chão e talvez, se eu
conseguisse não me quebrar muito, poderia até mesmo voltar ao início de tudo e
tentar outro caminho! Minha respiração estava ofegante e eu não conseguia parar
de amaldiçoar o momento que havia começado minha caminhada. Todas aquelas
promessas pintadas nos muros não passavam de um deboche, de uma forma de me
mostrar como a minha vida poderia ter sido tão melhor e mais feliz! Agora eu
via que elas nunca foram uma amostra do que estava por vir naquele caminho, mas
apenas uma distração cruel, para que eu continuasse acreditando e seguindo a
direção errada. Eu devia desistir! Deixar que vencessem sem tirar ainda mais de
meu suor, sem lhes dar nem ao menos mais um segundo da satisfação de zombar do
meu sofrimento!
Mas não
pude me convencer a parar de escalar, e assim, junto com os primeiros raios de
sol da manhã, eu alcancei o topo do muro. Deitei meu corpo dolorido sobre a
murada e deixei que o sol aquecesse os arranhões em meus braços, os hematomas
em meus joelhos e as lágrimas em meus olhos. Esperei até que a luz fosse
suficiente para que eu pudesse calcular as distancias dos dois lados daquele
muro: para o lado de onde vim meu ponto de partida já tinha sido perdido de
vista e na direção para onde eu imaginava estar o final da caminhada, nada se
podia ver além de mais caminho a ser seguido. Ao que tudo indicava, eu poderia
muito bem estar no meio do caminho.
Em cima do muro havia uma bolsa
com alguns suprimentos, e havia uma escada talhada para me ajudar a descer o
muro, caso eu resolvesse continuar na direção original, enquanto para voltar ao
meu ponto de partida eu teria que escalar novamente até o chão.
Eu não demorei muito para tomar
minha decisão: assim que vi a quantidade de caminho que eu já havia percorrido,
fui tomado de uma repentina energia e confiança em mim mesmo! Afinal, se eu
havia conseguido passar por tudo aquilo, seria plenamente capaz de alcançar o
destino final, que era minha intenção desde o início. Não faria o menor sentido
gastar tanta energia apenas para voltar ao lugar de onde eu quis sair em
primeiro lugar!
Desci a escada (que claramente
estava ali para me indicar a direção certa) e caminhei com minhas esperanças
renovadas.
Hoje o dia está bonito e eu quase
posso ouvir o cantar dos pássaros pintados nas paredes ao meu redor. Acho que meu
destino prometido está finalmente depois da curva que se aproxima...