segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Melhores Momentos de uma Longa Noite

"- Alô... som... testando... Boa noite. Estão todos me ouvindo? Ah, finalmente! O ruído dos cochichos terminou, então imagino que estejam me ouvindo sim. Só pra deixar claro, se o objetivo do cochicho é falar sem ser ouvido, vocês estão falhando miseravelmente. Em primeiro lugar porque é impossível não ouvir os murmúrios de 500 pessoas, em segundo, porque todo mundo aqui dentro já sabe qual é o assunto da fofoca coletiva. Então, vamos logo a ele: O noivo não vem."
 
O silêncio abismal que havia tomado o interior da igreja quando a noiva subiu até o altar e pegou o microfone foi imediatamente quebrado por um "oh!" coletivo, seguido de um furioso zumbir das vozes dos convidados, que se entreolhavam nervosamente e tentavam segredar comentários perplexos.

 "- Atenção, por favor! Vocês vão ter o resto do ano pra comentar sobre esse fiasco, portanto CALEM A PORRA DA BOCA por mais cinco minutos enquanto eu faço alguns anúncios finais ok? Ah que bom! Gritar um palavrão sempre funciona! Agora que tenho o silêncio de todos gostaria apenas de dizer algumas palavras:
Em primeiro lugar, tem uma puta festa open bar com buffet liberado há duas quadras daqui, numa mansão que já está paga, assim como as comidas e bebidas que serão servidas lá, portanto, os MEUS CONVIDADOS estão intimados a comparecer. O Dj já foi instruído pela minha madrinha pra trocar o repertório e só tocar ROCK. A ordem da noite será dançar, comer e beber até não aguentar mais, e no final da noite farei um sorteio pra saber qual será o amigo felizardo que me acompanhará na viagem de 4 dias ao Caribe, que também já está paga.


Quanto aos convidados do noivo, tenho algumas restrições: Luiz, sempre te achei um escroto e só te aturava pra não arrumar confusão desnessária. Você é um irresponsável, incompetente e o Afonso só não terminou a amizade de vocês várias vezes porque tinha pena. 
Marcela, seu irmão não te diz, mas a verdade é que ele nunca te apresenta pros amigos e nem te leva nas festas porque ele tem vergonha de você se vestir igual a uma puta. 
Gustavo, Cássio, Lincon, vocês são patéticos. Já estão muito velhos pra continuarem se comportando como se tivessem 15 anos de idade, mas isso não é problema meu e a retardadisse de vocês me diverte e me faz sentir superior, portanto vocês também estão convidados para a festa, se quiserem.
    Dona Cristina, a senhora é um doce de pessoa, mas criou um banana inútil.
    Ronaldo, você é um padrinho de merda, já que não tava nem sabendo que o noivo ia fugir, mas tirando isso, é um cara maneiro. Você, Levi, Beatriz e Michele serão mais do que bem vindos na festa.    

Só isso. Quem for velho de alma e não estiver a fim de dançar e se divertir, nem compareça. Aos que forem, aviso novamente: teremos o resto do ano para conversar sobre o mico que foi essa noite, mas hoje, quero apenas me divertir ao máximo na droga da festa que me custou mais de 10.000 reais. Vou só trocar essa roupa ridícula e encontro vocês lá."

    A noiva posicionou calmamente o microfone de volta no pedestal e saiu caminhando lentamente, pelo meio dos convidados perplexos. Sua melhor amiga vinha logo atrás, esbaforida e com medo de emitir qualquer palavra que pudesse piorar o humor da amiga.
 
Enquanto os convidados se retiravam, alguns para a tal festa e outros para as próprias casas, as duas amigas terminavam uma segunda dose de whisky na sala onde a noiva havia se preparado mais cedo.
    "- Ana, me passa a calça jeans que eu estava vestindo hoje de manhã. E pára de ficar com essa cara de assustada. Você me conhece bem demais para saber que não vou desabar."
    "- Só acho uma maluquice você manter essa festa. Não é possível que você esteja mesmo no clima..."
    "- No clima de beber até o mundo começar a girar? No clima de pular, e gritar e ouvir rock pesado e entrar numa roda punk com meus amigos? No clima de comer uma porção de gostosuras e mergulhar de roupa naquela piscina maravilhosa? Eu posso não estar feliz, amiga, mas estou MORRENDO DE VONTADE de fazer todas essas coisas."

  
E esse foi o fim da discussão. Após dizer essas palavras, a noiva pegou uma tesoura e cortou seu vestido ao meio, de sorte que ele se transformou num bonito corpete branco. Depois vestiu seu jeans e entregou a longa saia e a tesoura à amiga, que estava trêmula de incredulidade:
    "-Toma. Corta em pedacinhos igual se faz com a gravata do noivo. Quero que você ofereça aos convidados, porque eu bem que vou precisar dessa grana! Cada um que comprar um pedaço, você anota o nome, pra participar do sorteio no final da festa."
    "- Você não pode estar falando sério!! vai MESMO levar outra pessoa na sua lua-de-mel?"
    "- Bom, só seria lua-de-mel se eu tivesse mesmo casado, não é? Nesse caso será só uma viagem com um amigo, ou amiga. Pelo menos eu pego uma corzinha antes de voltar pro apartamento e começar a devolver presentes e assinar papéis. sinceramente, não sei o que você acha de tão absurdo nisso tudo."
    "- Eu só acho que isso é frieza demais. Mesmo vindo de você."
    "- Não sou fria, sou prática. Não dá pra mudar o que está feito."


 Tendo dito isso saiu sem esperar a resposta da amiga. A limousine ainda estava à sua espera.
  "- Boa noite, devemos ir?" Disse o motorista, como se não tivesse absoluta noção do que havia acontecido.
    A noiva achou essa atitude refrescantemente divertida e resolveu testa-lo, pra ver até onde ele iria em sua convicção de não deixar transparecer o constrangimento daquela noite:
    "- Ir para aonde?"
    "- O endereço que tenho é a mansão de festas Eterna."
    "- Ah, é verdade. E você por acaso sabe o que vou fazer lá?"
- Perguntou ela com um toque de malícia, certa que veria o chofer ficar vermelho.
    "- É sua festa de casamento." - Respondeu ele, sem se perturbar.
 
 Intrigada com a firmeza nas respostas, a noiva encarou mais atentamente seu interlocutor, um pouco surpresa por ele parecer ligeiramente familiar. Tentou rapidamente lembrar se ele havia sido algum colega de escola, ou de um antigo trabalho, mas chegou a conclusão de que realmente não o conhecia. Ele lhe encarou serenamente, sem titubear sob seu olhar examinador.
    "- Se vamos para minha festa de casamento, não acha melhor esperarmos pelo noivo?" - Arrematou ela, com um tom de voz triunfante.
    O motorista apenas cruzou os braços e encostou as costas no veículo:
    "- Nós podemos. Mas creio vai lhe custar uma fortuna em horas extras".
    A noiva voltou-se para ele, a principio, furiosa, mas logo depois soltou uma sonora gargalhada:
    "- Acho melhor irmos então. Essa noite já está me saindo cara demais!"