sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sobre as janelas e quem não sabe observá-las.

O frio que já envolvia meu corpo começava agora a cercar também a minha alma. A cada passo que dava eu lembrava do avião: aquele que eu nem sabia a que compania pertencia, a que horas decolaria (talvez ja estivesse até sobrevoando minha cabeça naquele momento), mesmo assim eu me torturava imaginando ela sentada na janela - Ela sempre preferia a janela, por mais que eu tentasse convencê-la de que o corredor é muito mais confortável:
"você pode levantar para ir ao banheiro ou esticar as pernas a hora que quiser, sem se preocupar em acordar e pedir licença ao resto das pessoas que estão dormindo ao seu lado"
Mas não! Ela dizia:
" Quem está no corredor está irremediávelmente dentro de uma caixa metálica, que é muito desconfortável pelo preço que cobra e muito cheia de complicações e rituais para atingir um simples objetivo de transportar-se a outro lugar. Em compensação, quando estou na janela, eu estou voando. Simplesmente voando para alguma outra parte deste planeta. Abaixo de mim, as núvens e às vezes algumas cidades tão pequenas que me lembram os jogos de Lego que eu nunca tive quando era criança, mas adorava brincar com eles quando ia na casa de meus amiguinhos. Estou voando, sim. Mas não como uma ave que precisa bater suas asas e se manter alerta todo o tempo. estou mágica e imovelmente sobrevoando vidas, sonhos, construções, rotinas... Estou acima de todas as formalidades e materializações que nos conduzem passo a passo entre um dia e outro.)

Sim, ela certamente já estava na janela, olhando para o terminal, tentando ver se eu tinha ido tentar impedí-la de embarcar. - Ela sempre olha pela janela antes do avião levantar vôo, mesmo que ela saiba que não dá pra ver nada lá dentro, ela sempre olha!
Agora ela está pronta para voar novamente, voar sobre a materialidade da minha própria droga de vida, acima das formalidades que ME conduzem passo a passo entre um dia e outro.

Essa sempre foi a diferença entre nós dois: ela sempre sentou na janela, sonhando com o que não conseguia ver claramente, fantasiando sobre tudo o que passava por seu caminho ( na verdade não são as coisas que passam pelo caminho dela, mas ela que, em alta velocidade, voa pela vida afora, bagunçando tudo o que encontra pela frente. Eu sinto ás vezes como se o resto do mundo inteiro fosse apenas um cenário imóvel - inclusive as pessoas, como eu - e esse cenário está apenas esperando que ela passe, modifique, encante, destrua e depois siga seu caminho deixando apenas o rastro de onde onde passou).
E eu, sempre no corredor, ocupando-me de necessidades mais humas como por exemplo ser o primeiro da fila a escolher a comida, poder escolher de perto a bebida, levantar para ir ao banheiro, enfim...ela está sempre voando e eu, mesmo no céu nunca consegui me despejar de minha humanidade.

Eu sempre achei que essa distância entre nós dois nos conduziria invariávelmente à separação física que já é tão óbivia em nossas personalidades. E foi assim que sempre conduzi o nosso relacionamento: vivendo a felicidade mas preparando-nos pouco a pouco para o fim. O engraçado eu que essa minha preparação funcionou melhor com ela do que comigo mesmo, porque agora ela está lá, sentada na janela, mais do que pronta para partir, e eu estou aqui, suando frio, espremendo minha cabeça entre as mãos a cada 15 segundos, desesperado, como se a possibilidade de viver sem ela nunca me tivesse passado pela cabeça!

Logo hoje que tudo faz sentido! Logo hoje que eu finalmente compreendi que a preferencia dela pelas janelas nunca nos manteve a milhares de pés de distância um do outro, mas muito pelo contrário, é exatamente isso que nos coloca LADO A LADO: ela na janela, eu no corredor! Tão óbvio! porque eu nuca pensei nisso antes? A cadeira ja janela fica ao lado da do corredor (exceto naqueles aviões gigantes que nós dois detestamos!)
Faz todo o sentido do mundo!Ela é livre para voar e fantasiar enquanto eu, a seu lado, me ocupo de providenciar para nossos corpos estejam sempre satisfeitos e confortáveis. É claro que você pode voar meu amor! Eu tenho sido um perfeito idiota esse tempo todo, pensando que essa sua ânsia de liberdade te arrastaria para longe de mim, ao invés de permitir que eu te siga, trazendo em minhas mãos o chão para os momentos em que você precisar pousar.

Que idiota que eu sou! Mas agora eu entendo tudo! sentado sozinho no frio da minha varanda, eu fiico me perguntando porque não tive essa luz na noite passada, quando você ainda estava a meu lado, antes dessa briga ridícula que tivemos essa manhã, ou antes de eu detonar o nosso relacionamento, mantendo-me sempre distante com o meu senso de autopreservação.

E é por isso que você está nessa janela agora... ou talvez não! Talvez ainda esteja na fila do check-in (voê oceia o check-in! sempre diz que é o momento mais triste da viagem, o momento em que se diz adeus, o momento em que ainda se está, mas que na verdade ja se foi...)
Se eu não tivesse sido tão estúpido saberia pelo menos pra onde você está indo agora, a que horas sai o seu vôo, qual a companhia aerea... talvez eu tivesse uma chance de corredor até o aeroporto e te arrastar de volta pra casa!
Mas não! Eu fiz questão de ignorar! Você que ir, então vai! Foda-se!
Orgulho? Razão? Covardia?
Não importa! Talvez eu ainda tenha uma chance!
Me visto correndo e dirijo feito um louco para o aeroporto. (Talvez você esteja saindo do taxi esatamente na hora em que eu chegar, ou talvez seu vôo esteja atrasado, ou cancelado). Agora eu estou decidido a não deixar que você se vá! Nós nos amamos! Vamos ser felizes juntos! você vai ver!

O aeroporto não está tão cheio - estamos no meio da semana - mas você também nao está por perto... que droga! Como é que eu vou te encontrar? Não sei nada, nada, nada sobre essa droga de viagem! (outra vez me vem a mente a imagem do seu rosto na janela enquanto o avião começa a taxiar) Você não pode ir!!
Começo a correr como um louco perguntando de guichê em guichê se alguém com uma mala pequena vermelha e cinco bagagens de mão tentou fazer check-in naquela manhã. (Você não gosta de mala grande porque te dá a impressão de que está levando muita coisa inútil, mas compensação carrega umas cinco bolsas menores com as "coisinhas que não couberam na mala", deixando os atendentes do check-in completamente malucos!)
Eu sigo preguntando por você. O atendentes me olham, alguns confusos, alguns irritados, mas apenas balançam a cabeça negativamente, sem emitir palavra nenhuma.
Chego a um velho que está parado perto a um dos portões de embarque, ouvindo um radinho de pilha. Eu dou a ele a sua descrição e pergunto se ele te viu. O rádio está alto e ele não me responde. Desesperado e agora com uma irritação crescente, eu agarro ele pelo colarinho, e agora gritando, repito mais uma vez a pergunta.
Ele me olha com indiferença, abre a boca, e começa a cantar uma canção da Eliz Regina!!!

Depois de uns dois segundos atordoado, eu abro os olhos e desligo o rádio relógio antes que você acorde. Não me lembro muito bem do sonho, mas lembro que sonhei com você. Acaricio seus cabelos.
Hoje você está sorrindo enquanto dorme, outra vez! Eu sempre detestei isso! Não porque me incomode com a idéia de que você esteja feliz em seu sonhos, mas porque eu sei que você sonha com coisas tão diferentes da nossa vida! E quando você sorri para os seus sonhos eu tenho a impressão de que você está sorrindo para uma outra vida, um outro lugar, com uma outra pessoa...você sempre sonha!

Acaricio seu rosto ainda pensando nesse sorriso. A impressão que tenho é que a cada sonho você se afasta um pouco mais de mim...

Não importa o quanto você jure que me ama, eu sei que você não vai ficar por muito tempo! Você é muito colorida para a minha vidinha preto e branco! Você brilha demais para um apartamento tão escuro! Você é boa demais pra mim!!

Sorria, meu amor! Eu sei que você vai embora, encontrar esse sonho e ser feliz! E é melhor eu começar a me preparar para sua partida...